Elas e as importâncias


O conteúdo é dolente, mas tem humor desprovido do sensacionalismo que impera nos telejornais. É justamente na crueza do ocorrido que se debruça o espetáculo. O humor conduz o espectador à contemplação do que a maioria tende a não observar com a devida atenção, mas que acontece às mulheres do mundo, não somente àquela que você não conhece. Acontece também àquela do pequeno mundo que é a casa ao lado, ou a sua própria.

Fui assistir ao espetáculo Os Monólogos da Vagina pela quarta vez, no Teatro Gazeta, em São Paulo. Penso que seria muito interessante se você, que não sabe do que se trata, assistisse também. Homens são muito bem-vindos. Não pensem que é só para mulheres, por conta do título. Alguns que conheço já tiveram essa dúvida, mas fiquem tranquilos que é espetáculo para todos.

[Se quiser ler sobre a apresentação de comemoração de quinze anos de espetáculo, clique AQUI.] 

Acredito que, se você assistir ao espetáculo uma única vez, já fará uma grande diferença, que ao contrário do que tentam provar por aí, arte é um veículo fantástico, não somente para alimentar o espírito das pessoas, para inspirá-las aos devaneios e reflexões (o que já maravilhoso!), mas também para registrar e contar histórias relevantes, como neste caso. 

Eve Ensler, autora de Os Monólogos da Vagina, colheu depoimento de mais de duzentas mulheres, de várias partes do mundo, sobre sexo, relacionamentos e violência doméstica. Alguns relatos incluídos no espetáculo são contundentes e provocam o espectador a se perguntar como é possível alguém passar por aquilo em tempos modernos. Pelo jeito, a nossa capacidade de lutar contra abusos não anda se modernizando com a urgência desse espanto. Ao contrário, tendemos a fazer de conta que não temos nada a ver com isso, assim não precisamos lidar com tais questões, que apesar de parecerem pessoais, são globais. 

No palco, as atrizes interpretam situações que algumas das mulheres entrevistadas viveram. Torna-se impossível aceitar o fato de que mulheres ainda passem por aquelas situações. Os depoimentos muitas vezes levam os espectadores às gargalhadas, até chegarem ao ponto de escancarar o problema. A reação do público é imediata, como deveria ser no diariamente, diante da privação de direitos das mulheres, do desrespeito aplicado a muitas delas... Muitas de nós.

A mulher vem se posicionando com mais energia e coletivamente, apontando os abusos sofridos, mas muitas delas ainda escondem sua condição da família, dos amigos, como se fossem culpadas por serem vítimas. Esse pensamento é que precisa ser mudado. Pode levar tempo, mas creio que o processo foi iniciado. 

Além do mais, cai por terra qualquer esforço dessas mulheres em se apresentar quando a política, as leis, as pessoas que têm como função orientar e atender às necessidades dessas mulheres se tornam seus algozes.

Os Monólogos da Vagina é um resumo do que a mulher ainda tem de enfrentar, apesar de toda modernidade de hoje em dia. Trata de um cenário que, em vez de melhorar, agarra-se a um retrocesso que deveríamos – e nós todos, como seres humanos e cidadãos – encarar como inadmissível, e nos unirmos para soluções, não para gerar mais rótulos e aumentar estatísticas, endossar violência.

Adriana Lessa, Cacau Melo e Maximiliana Reis interpretam lindamente, e com o devido respeito, a experiência de mulheres que, em alguns casos, nem mesmo compreendem a violência que sofrem. São reféns em suas casas, aprisionadas pela cultura de seu país, pela religião herdada.

Eu poderia relatar o que me encantou na forma como as atrizes conduzem o espetáculo. Mas, na verdade, creio que será muito mais interessante se você aparecer por lá para vê-las no palco. É feito um balé de interpretações ora graciosas, ora calcadas no humor, para então abraçarem a dramaticidade que as histórias carregam. 



Acredito que muito do que julgamos ser clichê são verdades gritantes. Porque, sim, é difícil imaginar uma mulher sofrer violência física e emocional pelo simples fato de ser mulher, o que a faz ter de lutar para defender o que lhe é de direito. Talvez a questão seja essa, e não somente para as mulheres. Tratar-nos como seres humanos, em primeiro lugar, pode nos libertar da ideia – completamente equivocada – de que somos melhores ou mais importantes do que o outro; que temos o direito de escravizar, corpo e alma, de outro ser humano.


Paulo Renato Pirozzi, Maximiliana Reis, Raquel Pirozzi, Adriana Lessa e Carla Dias.

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OS MONÓLOGOS DA VAGINA
Com Adriana Lessa, Cacau Melo e Maximiliana Reis

Temporada | Até 7 de agosto

Teatro Gazeta
Avenida Paulista, 900 | São Paulo, capital
Informações | 11.3253 4102 – teatro.gazeta@terra.com.br

Horário | Sexta às 21h | Sábado às 21h | Domingo às 20h

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Texto | Eve Ensler
Adaptação e Concepção Original | Miguel Falabella
Elenco | Adriana Lessa, Cacau Melo e Maximiliana Reis - Sônia Ferreira (standing)
Visagismo | Anderson Bueno
Trilha composta | Ricardo Severo
Operação de Som | Mattheus Chaves
Operação de Luz | Lucas Nascimento
Figurinos | Anderson Bueno e Milton Fucci Júnior
Cenário 2012 | Cássio L. Reis
Montagem de vídeo | Fábio Lima
Produção 2016 | R&M Brasil Produções Artísticas


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