Quem é Thomas?

Publicado originalmente no site
Crônica do Dia, em  30/05/04



A tecnologia se transformou em uma espécie de fada-madrinha quando se trata de relacionamentos. Das salas de bate-papo para a webcam, e daí para o messenger com webcam! E este é um conhecimento parco de uma desligada dos termos e pretextos tecnológicos (eu) que, ainda ontem, cortou um dobrado pra descobrir como é esse negócio de messenger e emoticons.

Thomas até é um cara bacana e, sabe o que é mais interessante sobre ele? Thomas é irônico, assim como toda a trama da qual é personagem principal... Espera aí! Personagem principal que não aparece durante o filme? Pois é... 

Apaixonado Thomas (Thomas est amourex/2001) é uma voz falando coisas que mexem com o nosso senso crítico e também nos diverte. O fato de a câmera estar sempre posicionada como se fossem os olhos dele, faz com que tenhamos a sensação hilária de que sim, somos um bando de Thomas sendo "atendidos" através da tela de um computador, encarando bizarros personagens numa época em que o sexo é virtual, porém palpável, basta comprar a roupa própria, e pronto!, sexo seguro, sem toques mas com as devidas sensações, sem beijo molhado, mas com prazer. E se já temos o maracatu atômico, por que não providenciar um orgasmo cibernético?


Thomas (Benoît Verhaert) é um homem de 32 anos que, há oito, não sai de casa e lá ninguém entra. Sofrendo de agorafobia (medo de ficar em espaços abertos), cria o seu próprio mundo valendo-se da tecnologia de videofone para viabilizar tudo o que precisa. Porém, não se trata de um filme sobre aficionados por tecnologia de ponta. Ao contrário do que se pensa, nem sempre poder tudo é bom e a gente gosta, não quando é preciso pegar um atalho, se desfazer de algumas coisinhas que, enquanto são nossas, não parecem tão importantes assim. E o filme dirigido por Pierre-Paul Renders retrata um momento no qual terapeutas, mães, amantes, prostitutas, recepcionistas, advogados, todos resolvem tudo através do videofone. 


Thomas tem Clara, quem satisfaz o seu desejo por sexo. Uma pena é ela ser uma animação e o sexo conduzido por uma roupa cibernética. Aliás, é hilário quando Melodie, garota que Thomas conhece através de uma agência de encontros (o terapeuta dele o inscreve como uma forma de tirá-lo de casa) resolve fazer sexo com ele, depois de muito refletir a respeito da maneira adotada por Thomas, e vai à loja comprar a sua roupa, voltando feliz por ter assumido para a atendente que a roupa é para ela. Melodie cria vídeo-poemas e frequenta salas para suar. Thomas, sarcástico, questiona para que servem estas salas e ela responde o óbvio, sem qualquer sentido metafórico: para as pessoas suarem juntas. Futuramente, quem sabe, as saunas tenham essa conotação mística. O futuro tudo nos reserva...

Estaria tudo bem se Thomas não começasse a se sentir tão só, a ponto de gastar um bom tempo de bate-papo com o recepcionista da Clinique Domotique, com a qual ele entra em contato para providenciar o conserto do aspirador de pó.


Através de um serviço de prostitutas (olhe, escolha e leve), ele surpreende Eva chorando. Esta raspa de humanidade conquista Thomas, que se encanta por Eva e deposita nela a sua vontade de um relacionamento real, longe do universo cibernético e das garras da agorafobia. É Eva quem conduz Thomas para a porta da rua, negando as suas manobras tecnológicas para saciar a solidão dele.

Na verdade, Apaixonado Thomas é um filme que, por mais que aqueles que o assistiram comentem, não há como explicar o impacto. É preciso ser o espectador, sentir vontade de rever um trecho, ou se pegar incomodado por se achar parecido demais com Thomas. 

Poucos são os diretores que abordam temas sérios (afinal, a tecnologia do filme não está assim tão distante da atual) com ironia cômica e uma pitada de dramaticidade sem trair a si mesmo e criar uma boa porcaria cinematográfica. Pierre-Paul Renders soube como construir Apaixonado Thomas.


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