Uma janela para a lua | Encontro entre a razão e o delírio


Não raro, minha memória busca, em seu baú, completamente desorganizado, eu admito, um dos momentos que me fizeram refletir a respeito da vida, do meu papel nela. Pode parecer bobagem para muitos, mas sim, eu sou suscetível ao que livros, filmes, pinturas, fotografias e música me entregam. Sou suscetível à arte como sou à realidade e ao que algumas pessoas dizem, nem sempre para mim, e que me cabe e me ensina algo a respeito delas e sobre mim.

Então, que a minha memória deu uma volta a um ontem que aconteceu há mais de duas décadas, quando eu ainda gastava tempo na videolocadora... e adorava. Acordei com a lembrança dessa cena, e antes mesmo de me espreguiçar, fui tomada pela história toda.

É apenas um filme. Um apenas repleto de nuances, que, mais para o final dos anos 1990, permitiu-me mergulhar em um universo que me fascina e me causa espanto e pânico. Se há algo que me mete medo é perder a capacidade de pensar. Com todo o resto eu lidaria, mas como seria perder-se na própria mente? E não importa que, depois de perdido, saberá de nada do que ocorre.

Eu costumava alugar cinco filmes por vez. Não me lembro dos outros quatro, mas deste, veja bem, a minha memória é uma atrevida, porque faz o que quer de mim. Fez com que eu me levantasse com uma cena deste filme. Cinco minutos depois, nostalgia. 

Vamos começar pelo protagonista, um ator que nasceu na Turquia e foi criado na França: Tchéky Karyo. Se você não sabe quem é pelo nome, provavelmente deve tê-lo visto em algum daqueles filmes americanos de ação. Eu o vi em uma tela, pela primeira vez, em um filme de ação, mas era francês, de Luc Besson. Aliás, sugiro aos que assistiram somente o remake americano deste filme, que assistam ao original: Nikita - Criada para matar (La Femme Nikita/1990). Anne Parillaud e Jean-Hugues Anglade são fantásticos.  

Desde de Nikita, passei a prestar atenção ao Tchéky Karyo. Ótimo vilão de filme de ação, mas aprecio mesmo as suas atuações em filmes com foco nas histórias e nas pessoas, não nas explosões e tiroteios. Adoro um vilão, mas tenho certo apego aos que usam a inteligência a favor dos seus pecados.

Mas o filme que me veio ao acordar não é francês ou turco, mas italiano. Não é de ação, mas de cutucar espectador na emoção. Não fala sobre assunto no qual a maioria aprecia se aprofundar. Ainda assim, é dos filmes mais belos que já assisti. Acredito que eu precisava relembrar algo que me despertasse novamente para a ciência de que a imperfeição, apesar de o dicionário dizer que sim, não é defeito. É margem, possibilidade, releitura, camadas. 

Lembro-me de conhecer algumas pessoas chamadas de loucas e talvez elas realmente o fossem. Também conheci algumas pessoas que se diziam sãs e cometiam loucuras com determinada crueldade. As pessoas que conheci, que eram chamadas de doidas de pedra, tinham lá suas peculiaridades. Ainda assim, eu me pegava fascinada sobre como elas enxergavam o mundo. Talvez por isso este filme seja dos que guardo comigo, silencio, resgato sempre que preciso reafirmar que sabemos nada sobre o que é loucura e o que é viver fora do que é considerado certo.

Certo é viver como se deve, virar-se como se pode e, durante o caminho, reinventar-se sempre que achar necessário.

Uma janela para a lua (Colpo di Luna/1995) é um filme escrito e dirigido por Alberto Simone, que tem um currículo muito interessante, com conhecimento que lhe permitiu criar um filme que aborda a doença mental em suas variáveis, inclusive como defesa contra a dor. Leia sobre ele clicando aqui. Além de Karyo, o filme conta com a participação do ator italiano Nino Manfredi, que tem uma ampla filmografia, tendo participado dos filmes Nós que amávamos tanto (C'eravamo tanto amati/1974) e Feios, sujos e malvados (Brutti, sporchi e cattivi/1976), ambos dirigidos por Ettore Scola. A francesa Isabelle Pasco também faz parte do elenco.

Uma janela para A lua conta a história de Lorenzo (Tchéky Karyo), um matemático que volta a sua cidade natal, na Sicília, para reformar sua antiga casa. Ele contrata Salvatore (Nino Manfredi), que trabalha em uma instituição que abriga doentes mentais.

A razão encontra o delírio.

Não vou entrar em detalhes sobre o enredo do filme, porque acredito que, se não o conhecem, vocês precisam assisti-lo sem que eu tenha entregado muito do que me fascinou nele. Porque, no resumo do meu apego, de onde minha memória puxa lembranças, quando preciso delas, este filme pertence a uma coleção de inspirações.

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